domingo, 15 de março de 2009

“A Estética Marginal”

Malditos em Movimento

Segundo Fernão Ramos, a estética Marginal se caracteriza através de 3 elementos estruturais, centrais, que dão coesão ao nível estético e que levaram este estilo, também conhecido por Udigrudi, Underground, Subterrâneo, Tupiniquim, etc, a ser um “movimento” dentro do cinema brasileiro: 1) a agressão; 2) a estilização; 3) a fragmentação narrativa.
Financiados pela extinta Embrafilme, que já andava mal das pernas até o Collor acabar de vez com ela no início da década de 80, os cineastas “malditos” produziam seus filmes em resposta ao ano de 64, marcado por conturbado período de repressão político militar. Portanto, muitos filmes eram censurados antes mesmo de irem para as salas de exibição.

1) Procedimentos de Agressão: o horror e a imagem abjeta.

O item nº 1, a agressão, é marcada pelo horror e a imagem abjeta, no qual, a imagem abjeta possui 5 características que a definem:
* deglutição aversiva
* representação de humanos como animais
* baba de sangue
* o vômito
* defecação

Estas imagens chamadas de abjetas tornam-se significativas quando as cenas se alongam com muita intensidade dramática.
É o universo das baixarias que constitui a narrativa Marginal. A imagem abjeta se faz no corpo, o próprio ser é o mal estar, as cenas de sofrimento corporal nos remetam ao clima político, de torturas, época dos anos e chumbo.
A representação do horror está relacionada às torturas praticadas por militares neste momento de ditadura no Brasil. Característico do horror é, também, o berro, a irritação, a dor, o incômodo, a nojeira, todo o universo baixo.
Irritar espectador é um objetivo dos cineastas malditos. Conseguir incomodar, a ponto de fazer as pessoas saírem do cinema, é o ponto auge o qual se quer chegar. A função é chocar, acordar as massas, a burguesia, um compromisso sócio-político e cultural.
Agressão é, também, a fragmentação da intriga, porque colide com a fruição do desenvolvimento linear da narrativa, ao qual, está acostumado o espectador. A atitude de deboche histérico-agressivo, o personagem chato que avacalha, afronta o senso estético, quebra a cena, perturba.
A linguagem subversiva confronta o objeto do belo, uma postura frente às posições da indústria cinematográfica, opondo-se a circulação da mercadoria audiovisual no contexto da sociedade capitalista.

2) Procedimentos de Estilização: a construção do universo ficcional.

No Cinema Marginal, além do horror e da imagem abjeta existe uma posição lúdica. Os procedimentos de estilização são diversos, as atitudes dos personagens são extremamente exageradas, deformadas e caricatas.
A representação em seu limite da origem a estilos marcantes e característicos como a bicha, a madame, o machão, a prostituta, o burguês, que são personagens típicos, de atitudes excessivas, movimentos rebuscados, figurino cafona, ditos populares e muitas vezes em rima.
O aspecto lúdico, ligado ao avacalho, é marcado pela curtição e abjeção. A abjeção é o nojo, o asno, a imundice, a porcaria e a degradação, e a curtição são as atitudes irreverentes, carnavalescas. O avacalho, curtição e agressão, nos quais, o objeto é o próprio fazer do cinema, a narrativa mal elaborada, mal fotografada, mal montada. E a agressão são perspectivas de fruição da representação do deboche-histérico do horror, já citado antes.
A deglutição curtidora é uma atitude antropofágica voltada para os estilos das narrativas clássicas, principalmente o cinema americano. O que se excreta é o avacalho. O devorar é feito sob forma de citações, acentuando os traços mais marcantes da forma original.
A atração pela estilização do gênero é apresentada por forte influência das histórias em quadrinho.
As citações ou incorporações de reproduções de trechos da narrativa clássica, especialmente o filme noir, de forma estilizada, vêm de originais marcados por gêneros.
A presença do Kitsch e do cafona é associada a estas citações estilísticas, abandonando padrões de beleza que confrontam conceitos da forma do belo, do produto artístico elabora pela indústria cultual.

3) A Fragmentação Narrativa.

A fragmentação narrativa seria o contrário do que seria evolução da narrativa clássica. A fragmentação das diferentes estórias que compõem o enredo do filme. Um questionamento a representação clássica.
Jean-Claude Bernadet já tinha analisado esta forma de narrativa no livro, “Trajetória Crítica”, com o filme “Rio 40°”, de Nelson Pereira dos Santos, tido com um dos pioneiros do Cinema Novo. Essa afronta caminhou em direção aos anos 60 e 70 para o Cinema Marginal, onde se reconhece a influência do Cinema Novo no Cinema Marginal.
No Cinema Novo existia a necessidade de representar o universo social brasileiro. No Cinema Margnal, a narrativa mergulha no universo ficcional fantasista.
A intenção do Cinema Marginal não era de contar uma ação elaborada em história, sua função estava mais ligada a descrição, ou seja, mostrar uma situação dada.
O alongamento dos planos, a economia geral do texto fílmico, a câmera explorando o personagem, o olhar fixo ao representado. A câmera se fixava na imagem enquanto elemento plástico, diz Fernão Ramos.
O plasticismo da imagem é uma posição em relação ao movimento que conduz a ação, ao personagem, a intriga, sacrificando o desenvolvimento linear. Não há preocupação espacial ou temporal, há a verticalização da imagem.

*Conclusão
O Cinema Marginal aponta para o estado de espírito de uma geração que decidiu fazer cinema. Propôs o choque, a ruptura perante a presença aterrorizante do inimigo prepotente e autoritário que ameaçava a integridade física e intelectual.

Priscilla Duarte

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