domingo, 3 de julho de 2011

Existe cinema independente no Brasil?

Existe cinema independente no Brasil?

Por Marcelo Ikeda



Afinal, existe cinema independente no Brasil? Mas para começar, o que vem a ser cinema independente? Para alguns, cinema independente seria um cinema avesso ao modo de produção dos grandes estúdios. Nesse caso, todo o cinema brasileiro seria independente, porque parte de um projeto de cinema periférico. Ou, em outras palavras, todo o cinema que não seja hollywoodiano seria independente.
Mas o que significaria o "independente"? Independência poderia se relacionar tanto a um conceito econômico quanto cultural. No caso econômico, seria um cinema que conseguiria prover os meios para se sustentar mesmo sem a megaestrutura dos estúdios. Isto é, com orçamentos reduzidos, equipes mínimas, produção ágil, e atendendo a um público específico, com um interesse especial em projetos que fujam do protótipo do cinemão. Nesse caso, praticamente nenhum cinema brasileiro é independente. Porque, como sabemos, quase todo filme brasileiro para existir precisa de apoio governamental, já que sua bilheteria (por uma série de motivos) não paga nem 1% de seus custos.
O lado mais complexo da questão no entanto é o conceito cultural. Um filme independente, nesse caso, seria um filme que abordasse valores, costumes, hábitos que não são abordados pelo cinemão. Enquanto o cinemão pensa exclusivamente nas leis de mercado, como um puro negócio cujo objetivo principal é a geração de lucros, o cinema independente pode exercitar linguagem, questionar a sociedade, as estruturas de poder, propor uma espécie de ensaio audiovisual, ser um cinema político, enfim, não ser primordialmente um produto a ser consumido. No entanto, muitas vezes se torna difícil definir se o filme é ou não independente tendo em vista este quesito.
O verdadeiro cinema independente, portanto, deve unir esses três pontos: i) não vir de Hollywood, ii) ser financeiramente auto-sustentável e iii) não deve visar em primeiro lugar o lucro, mas sim um aspecto cultural. Desse ponto pergunto: qual é o cinema independente no Brasil? O próximo filme da Xuxa é independente? Sim, se pensarmos no primeiro critério, e talvez, se pensarmos no segundo. Estorvo, de Ruy Guerra, ou o próximo filme de Júlio Bressane, são independentes? Sim se pensarmos no primeiro e terceiro itens, mas não se pensarmos no segundo.
No entanto, são tipos completamente diferentes de independência, e isso deve ser repensado nas políticas de apoio governamental. A intervenção do Estado se justificaria para corrigir as ditas "falhas de mercado", isto é, numa tentativa de corrigir ou equiparar nítidas discrepâncias. Por um lado, é claro que um filme brasileiro como Xuxa Requebra tem uma dificuldade natural para competir com um blockbuster americano como Jurassic Park, mas ambos têm o mesmo objetivo: o mercado. Mas se é difícil para a Xuxa, o que será para Ruy Guerra? Dessa forma, parece injusto que tanto o filme da Xuxa quanto o dito "filme de arte" tenham os mesmos privilégios e benefícios das leis de incentivo.
Mas, por outro lado, existe um tipo de filme que ainda é menos independente que o filme da Xuxa, por mais incrível que isto a princípio possa parecer. Vejamos, por exemplo, o caso de filmes como Tolerância, A Hora Marcada, ou mesmo Guerra de Canudos. São filmes que só podem ser chamados de independentes se considerarmos o primeiro critério. São filmes caros, lentos, com cuidadoso processo de produção, e que visam essencialmente o mercado (No caso de um filme como Guerra de Canudos, ainda pode-se usar como desculpa a parte histórica como conceito cultural, mas isso é enganoso, já que o filme não se propõe a nenhuma reflexão crítica sobre o momento histórico, em contraste com Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro, por exemplo). Como é possível então defender o apoio estatal a este tipo de filme?
É preciso observar, então, que existe uma boa parcela de filmes brasileiros que fazem pose de independentes, mas no fundo é apenas pose. São no fundo puro cinemão feito no Brasil. É possível argumentar que, se houvesse um maior número de salas de cinema, maior poder aquisitivo do consumidor, uma política cinematográfica mais ativa, etcetera, etcetera, esses filmes, no médio e longo prazo, poderiam ser rentáveis. Mas é um pensamento ainda muito distante da nossa realidade. No fundo no fundo, esses filmes só não são cinemão por pura incompetência de seus realizadores, que adorariam ter sua marca de enlatados "made in USA".
Marcelo Ikeda, formado em economia pela UFRJ, é aluno do curso de cinema da UFF desde 1998, sendo monitor da disciplina História do Cinema Mundial. Editor do site Claquete (http://w3.to/ikeda), com críticas e ensaios sobre cinema. Seu primeiro vídeo, 'Depois da Noite' (1999), explorando o tema da incomunicabilidade de uma criança, recebeu a Menção Honrosa no Festival Vide Vídeo/UFRJ em 1999.
Contato pelo e-mail: claquete@hotmail.com.

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