Tudo à nossa vista é imagem
A imagem é virtual, o qual, tudo aquilo que vemos, é outra coisa além do próprio objeto. Existe o objeto e o que se vê do objeto. Até nós mesmos somos imagem, essência cristalina do reflexo e o que se vê é o que já passou. O tempo fica entre o instante e o passado, atual é o que é real, o presente. O corpo é o limite que vive a experiência do real.
A imagem virtual é aquela que se tem na memória, que se duplica. Se apenas o fato de abrir o olho e tudo que se passa na frente é imagem, então tudo é simulacro pra Deleuze e também para Bergson. Apenas o corpo vive o real e o atual, o corpo que vive esse menor intervalo do tempo existente, o presente. O corpo é o limite.
"O nosso corpo (que é o fenômeno pra si mesmo) tem um elo com a consciência que se apropria do corpo, eles nunca se separam". (Merleau Ponty)
O ator seria aquele que tem a experiência da imagem virtual e atual, como uma imagem no espelho, duplicação. O ator tem a sua imagem atual porque veste diversos personagens.
Afirmar o simulacro é uma maneira de aceitar a multiplicidade falsificante do mundo. Não há lugar onde a imagem não descreva nosso próprio universo.
Em "As Potências do Falso", Deleuze opõe dois pontos que regem a imagem, o "orgânico" e o "cristalino" ou "regime cinético" e "regime crônico".
A imagem-movimento é orgânica e a imagem-tempo, cristalino. O plano-sequência é a menor manipulação do tempo a favor do real, do orgânico.
Orgânico é o sistema lógico que predomina. Princípio, meio e fim. Menos descolada da realidade. No cristalino o movimento é gerado através do tempo. O real e o imaginário não se distinguem.
No cristalino o impacto é ótico e sonoro, livre de concatenação lógica e tempo cronológico, há uma autonomia do tempo em relação ao movimento.
No orgânico o real suposto contém continuidade, a narração pretende ser verídica e verossímel, há um privilégio do movimento em detrimento do tempo. O objeto sempre é a realidade e a vida, nexo-causal. Servem pra definir situações sensório-motoras.
Para Deleuze, a montagem è principio fundamental no cinema, assim como Stanley Kubrick declarou uma vez: "o cinema é o maior ladrão, o cinema é montagem/edição". Kubrick diz que o cinema roubou tudo das outras artes e fez montagem. Esta tese sobre a montagem Bazin contestou depois para falar do cinema moderno, principalmente de Orson Wells que fez filmes com longos planos-sequênia.
"A Palavra e Imagem" de Sergei Eisenstein, também, diz sobre a importância da montagem num período do cinema soviético, onde a necessidade da exposição coerente e orgânica do tema, do material, da trama, da ação, do movimento interno da seqüência do filme e de sua ação dramática como um todo, além do aspecto emocional da história, de sua lógica de continuidade, o ato de narrar uma história coesa. A montagem é uma poderosa ajuda nesta tarefa de transpassar uma falsa realidade pra comover o público.
Todo esse falseamento da imagem pertence ao cinema, um falseamento da realidade que continua a tratar da realidade, porém, quanto mais desconecta com a realidade, mais potente esta arte pode ser.
Hans Belting em seu texto, "Por uma antropologia da imagem", no qual ele propõe a análise da questão "o que é a imagem?", separa o que ele chama de meio físico de imagem mental.
Relaciona com a morte, a condição da imagem como presença de uma ausência, assim como Roland Barthers descreve no livro "Câmera Clara". Felippe Dubois no oitavo capítulo do livro "O ato fotográfico", também se refere à obra de Denis Roche como presença de uma ausência, experiência do precipício interior, paradoxo da agitação louca e da vertigem, que é a vontade de viver e o medo de sofrer.
Voltando ao Belting: Antropologia da imagem como um substituto da história tradicional, pois a história da arte não vai dialogar a penas com as histórias, e sim, também, com outras disciplinas, como a antropologia.
Como uma relação de especificidade da cultura, recortes e diferenças. A sociedade da imagem vai rever o conceito de arte e levar em consideração a imagem, pois a fotografia nos trouxe uma visão mais fragmentada de mundo. Portanto, Belting vai além do âmbito artístico pra analisar esta questão, "o que é imagem?".
Quando Belting cita, imagem virtual e meio físico, tem muito haver com o que Deleuze fala de imagem real, atual e virtual. Belting acredita numa abordagem antropológica da imagem. Não se trata de etnologia, Belting segue uma definição européia e não fala exclusivamente de "arte", o debate da arte com a antropologia não se aplica ao discurso da arte ocidental. Belting bebe na cultura grega pra falar da imagem e distinguindo a aparência e o ser (imagem virtual e imagem atual). Fala do eidolon e kolossos no pensamento pré-clássico.
Eidolon como a imagem de um sonho, aparição de um deus ou ancestrais mortos, o que abrange a idéia de imagem mental (virtual). O kolossos representa um artefato de metal ou pedra, no qual, as imagens se materializam (real). Depois surgiu o termo eikon juntamente com o termo mimesis. Eikon desvalorizou o eidolon porque adotou o sentido de cópia ou imitação.
Ele afirma a imagem como presença de uma ausência ao lembrar-nos sobre as imagens em funerais, no qual a imagem substitui o lugar do corpo morto. A presença da foto do morto anuncia a própria ausência, a morte. Roland Barthes também lembra das famílias que tiravam fotografias em inseriam uma fotografia de um membro que já tinha morrido pra compor a foto, como aquelas máscaras que faziam dos mortos para alguém representa-los colocando-as para aparecer numa fotografia.
Não há nada mais sublime do que representar um morto com uma foto, no qual, foi congelada uma imagem do mesmo em um momento em que esteve vivo. A condição do homem, morrer, mas a fotografia pode congelar um instante do tempo e, possivelmente, eternizar esta imagem da pessoa, já morta, quando viva. Como disse Roland Barthes, Isso foi! Roland Barthes quando se viu numa fotografia disse: "tornei-me todo-imagem, i. e. morte em pessoa", essa obsessão pelo duplo seria a experiência de uma morte. Aqui não podemos deixar de lembrar Walter Benjamim quando fala da áurea em "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica".
Jean François Lyotard em, "O instante, Newman", falou do sublime na obra de Barnett Newman, um artista também interessado em arte "primitiva", no qual conta um relato do artista quando esteve diante de túmulos de índios miami, os miamisburg.
Barnett Newman fala que quando esteve diante destes túmulos teve um estalo, como um momento de epifania. Foi então que pensou em produzir arte para o homem. Por isso que Lyotard fala que a obra de Newman não tem uma relação triádica, como a mensagem do artista através da obra para o espectador. È uma relação apenas entre a obra e o observador. O quadro é o mensageiro e a mensagem, não há nada para se interpretar, adivinhar ou desvendar. É o instante, o presente. O sentimento sublime é a consciência da condição humana, estar presente é estar vivo em caminho pra morte.
Belting fala do tempo e do espaço no sentido de que a imagem sempre persistirá por que nunca saberemos como a morte é. Relaciona máscaras com imagens, um corpo que veste esta máscara se transforma em entidade, imagem virtual, como o ator na explicação de Deleuze.
Foi através do novo conceito de sublime por de Kant e Burque, que a modernidade se enveredou por um caminho de experimentações e possibilidades artísticas infinitas, pois através do novo conceito de belo, puderam sair da condição de figuração da obra de arte e o mundo da fotografia embarcou nessa. Deu origem a crise dos discursos totalizantes. Não é mais uma questão de estética/belo, é uma questão da filosofia da arte. O que vale é a discussão em torno do que é arte.
"Arqueologia do Saber" de Foucault fala da diferença entre visão totalitária da história até os anos 50 e da visão fragmentada a partir dos anos 60. Os discursos lineares tendem a dar continuidade, a história era, até então, um discurso ocidental homogênio, não leva em conta as diferenças de outros lugares, como a Ásia, África, Oceania, etc.
Nos aos 60 as vanguardas acontecem em vários lugares ao mesmo tempo, um discurso linear e totalitário não dá conta da fragmentação das características deste tempo de descobertas. Para o discurso se uniformizar, tem de deixar de fora tudo que não cabe na continuidade histórica. Não há como unificar tudo, uma coisa independe da outra, não há uma linha coerente da história.
Aí que entra a questão do cinema moderno em contrapartida com o cinema clássico. O cinema moderno não se pretende mais tão orgânico, no qual, pretendia-se contar uma história coerente com início, meio e fim.
Houve um esgotamento dos clichês e das fórmulas prontas, nos quais, o cinema havia mergulhado, principalmente quando se trata do cinema norte-americano.
O filme clássico pretendia-se a imagem semelhança do real, como que um monte de mentiras pra tentar dizer uma "verdade".
A montagem agora não é tão fundamental quanto foi no cinema clássico. Também não foi completamente descartada, ela passara a ser um complemento ao invés de ser fundamental.
Nos anos 30 os vários gêneros americanos e o realismo noir da França tinham o mesmo tipo de decupagem. Tudo pra chegar ao mais próximo da realidade. A história era descrita por uma sucessão de planos que tornava mais eficaz a maneira de apresentar a realidade.
A decupagem da técnica do campo/contra-campo foi "substituída", de alguma maneira, pelo plano-sequêcia, a fim de questionar esta tal "realidade", da qual a técnica manipulava ao máximo as imagens através da edição, pra contar uma história.
Priscilla Duarte
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